sábado, 29 de dezembro de 2007

Natal: antes, durante e depois

O Natal sempre causa alguns sentimentos contraditórios em determinadas pessoas nos dias que o antecedem, permanecendo censurados em suas cabeças e não saindo da boca para fora para elas não parecerem infantis ou juvenis nas suas elucubrações. Se por um lado tais sentimentos podem ser lúdicos e bacanas, eles também são acompanhados do estresse inerente àquilo que não deixa de ser, queira ou não, mesmo nos instantes em que ocorrem, a realização de algum dos nossos mais ambiosos sonhos ou a confirmação de uma ou de todas as nossas mais frustradas ambições.
o
Por exemplo, aquela vontade expontânea e sincera, sentida com o coração transbordante de alegria e amor, de ser contemplado sozinho na Mega Sena quando ela estiver acumulada nuns 40 milhões e, com parte desse dinheiro, construir aquela sauna cujo forno foi adquirido há quase uma década e que está servindo de ninho de sabiás lá na varanda dos fundos da casa. Pode ser ainda o desejo de ver desaparecerem da face da terra a Xuxa, o Faustão, o Jô... Ver, ainda em vida, o projeto que concederá férias para os aposentados ser aprovada pelos deputados federais, pelos senadores e depois também pelo presidente, tudo na mais insofismável transparência. Pode ser até numa grande trambicagem armada por esses cidadãos, ciosos de que os fins justificarão os meios para o benefício e o gáudio de mais de quatorze milhões de compatriotas aposentados, eles incluidos.
ooooo
Também pode ser com o de ser surpreendido com uma simples lembrancinha, tal como uma garrafa de Chateau Mouton Rothschild... uma garrafa do Jack Daniels...
ooooo
Talvez um de nós traga ainda vivas na memória, num arquivo indeletável, as lembranças boas e ruins da última ceia de Natal para a qual fomos convidados e que não houve motivo, ocasião ou desculpa justificáveis para se descartar de tão amável convite.
ooo
O Natal pode ter tido, nessa ocasião, como contraditório a um lado alegre e gostoso, um outro ruim, inseparável pelo resto da vida daqueles que sobreviveram à sua passagem por razões quase miraculosas, desde que analisadas numa narrativa separadas de outros aspectos dessa festa, ficando-se centrado exclusivamente no tema por conta daquilo que se bebeu ou se comeu na ceia correspondente e nas conseqüencias do rega-bofe desse festival.
o
Como aquele porre do desgraçado do Vinho Sangue de Boi precedido pelo Whisky Drurys (ou era Old Eigth?), cujo gosto acre permanece até hoje. Bem que havia opções de aperitivo para os mais conservadores: uma cachaça da Capelinha, produto genuíno de Resende, quiçá centenária. Tinha também Contini, Coldezano e um delicioso licor de limão feito pela avó da mulher do anfitrião. Cerveja não faltou, diga-se de passagem, apesar de sua temperatura ter estado incompatível com o calor quase insuportável que fazia neste nosso pleno verão. “- Bota gelinho, moçada, bota que ela melhora!” – Disse uma das anfitriãs, talvez parente. Vai saber! – “É que nós pusemos elas na mesa uma hora antes de vocês chegarem para que ela ficasse bem bonita, com tudo arrumadinho. Vocês não gostaram?” - Além das bebidas, comida, muita comida! Arroz carreteiro, feijão tropeiro, farofa com muito ovo frito todo desmanchado em pedaços, do jeito que deve ser, azeitonas verdes e pretas, torresminhos de bacon e rodelinhas de lingüiça de porco, uma iguaria. No todo, uma fartura geral pra ninguém botar defeito! Uma mesa genuinamente brasileira, farta e apetitosa, apresentando as características saborosas e irresistíveis da cozinha mineira.
o
Também de forma lúgubre e para sempre, ficará a lembrança da desinteria provocada por alquela leitoinha de olhos fechadinhos, parecendo que tinha ficado com eles ofuscados com o flash da sua última foto, pés e patas dianteiras esticados, bem para trás e bem para a frente, nessa ordem. Estava toda rodeada de folhas de alface hidropônica - última moda para alguns vegetarianos - e de algumas rodelas de tomate, a primeira meio murcha e o segundo se desminlingüindo, tudo servido numa enorme bandeja de alumínio, inteiramente marcada pelos anos de labuta do seu árduo trabalho em fornos, sendo as marcas representadas por crostas pretas de carvão oriundo de massas queimadas e petrificadas em suas bordas internas e externas, tal qual calos nas mãos de um loborioso trabalhador braçal. Até a maçã, presa pelos dentes da boca do bichinho, não deixou de apresentar algumas rugas na sua pele, como resultado da passagem do tempo desde a tentativa da sua cremação até aquele momento. Castigo, ou não, parece que uma praga rogada pelo animal assado antes do término da sua breve passagem entre os vivos não permitiu que o seu couro ficasse pururuca. Também pudera! Depois de ter ficado umas três horas no forno! E havia sido somente há cinco dias!
o
Pode ser que a desinteria não tenha sido provocada pela leitoinha, coitadinha! O desinterítico pode, entretanto, colocar as suas dúvidas naquele salpicão que estava nadando na maionese e que não conseguiu ser transferido da sua bandeja para os pratos dos comensais com a colher de pau colocada na mesa para essa finalidade. Coisa simples, entre tantos entraves que acontecem nessas ocasiões! A velha concha normalmente usada para esvaziar o caldeirão de feijão do cotiano deu fim a esse contratempo.
o
Outra dúvida assaz cruel é se não foi por causa daquelas três rabanadas deglutidas com aquele ponche de manga, mamão, melão, banana, abacaxi e espumante nacional.
o
Enfim, o Natal passou, a ressaca e o desarranjo estão se tornando sombras do passado, outra ceia está programada para a passagem do ano - Na mesma casa, com os mesmos anfitriões. Ai, Jesus! - e desta vez soube que a leitoa será assada com menas horas antes do evento.
o
Ah! O ponche? Desta vez será enriquecido com kiwi, maçã, pera, carambola e ameixa. De quebra, além do espumante, vão colocar um litro daquele vinho tinto doce de São Roque, daquele vendido em litros. Garantem que ficará mais bonito, bem coloridinho, tendendo para o rosado. É mole!
o
I bibida prus músicus!

Nenhum comentário: